Manuel Joaquim Martins de Freitas aventura-se, neste seu ensaio, a palmilhar minuciosamente os caminhos da reflexão de João de Araújo Correia, vertida nas suas crónicas, saídas em livro e em jornais, em torno da realidade cultural duriense, com ênfase para a memória, identidade e património. Trata-se de um percurso que pretende expor, naquilo que foi o desiderato de uma vida, “o empenhamento do cidadão João de Araújo Correia na salvaguarda do património cultural duriense que (…) ele já entendia como recurso estratégico ou meio de desenvolvimento da região do Douro”; entende também o ensaísta que o seu labor reverterá em favor, pelos durienses, do seu património e preservação da memória cultural da região do Douro.

Respondendo a uma inclinação pessoal resultante da sua admiração pela figura e obra de João Araújo Correia, constatando a necessidade de propagandear devidamente o conhecimento que este tinha das gentes do Douro e seu modo de vida, e impulsionado pela sua própria condição de habitante e residente na região, Manuel Freitas responde a estes três apelos mergulhando fundo na cronística do escritor reguense, não sem, de forma pertinente, estabelecer e definir o espaço de João Araújo Correia no orbe literário português e provar o empenho e importância que a língua portuguesa, falada e escrita, tinha para o médico/escritor, disposições que materializou, por exemplo, com o seu labor etnográfico e, entre outros, nas obras Enfermaria do Idioma (1971) e Dispensário Linguístico (1999), esta uma publicação póstuma.

Manuel Joaquim Martins de Freitas intervém, com este estudo, na história do Douro ao fazer conhecer melhor o “historiador do Douro”, como denomina João de Araújo Correia. E este é-o, verdadeiramente, como o comprova o autor do ensaio, porque é das gentes do Douro que as suas crónicas dão nota, dos problemas e história da vinha e tudo o que está associado – figuras históricas como D. Antónia ou o barão de Forrester, os vareiros e galegos que de longe vieram para o Douro, os objetos associados ao cultivo da vinha e produção do vinho, a doença da filoxera e os mortórios, as cantigas, o património edificado, etc., tudo constituindo um extenso e valioso património cultural material e imaterial que só a criação de um museu do Douro, por que sempre lutou e que só de forma incipiente viu nascer, poderia preservar.

Por estas razões – e poder-se-ia dizer que felizmente – o estudo apresentado por Manuel Freitas repõe justiça à ação desenvolvida por João de Araújo Correia, nem sempre apreciada com a importância que merece. E se a chamada de atenção para esse facto é, por si só, algo que deve ser saudado, a qualidade académica e todo o trabalho de investigação aturada que lhe subjaz não desmerece do autor estudado, bem pelo contrário – a elevação do Douro a Património da Humanidade justificava também um tributo àquele que, decerto, mais denodadamente lutou para que tal classificação pudesse no futuro ser possível. Tudo isto justifica Manuel Freitas com o aparato crítico que nos deixa e responde positiva e justificadamente aos merecimentos de João de Araújo Correia em prol da cultura das gentes durienses; a análise que apresenta expõe claramente a valia da luta do escritor reguense e a convicção com que o fazia, como se comprova pelas insistentes crónicas que por toda a sua vida foi escrevendo nos jornais para assim melhor divulgar os seus intentos.

O cenário cultural duriense – casas apalaçadas, objetos religiosos, vinhas centenárias, artefactos agrícolas, dureza climatérica, cantares, gentes rudes, objetos ligados à produção vinícola – exposto por João de Araújo Correia nos seus textos, é explicitado, com maior ou menor pormenor, por Manuel Freitas num trabalho seguro e sério com o qual terá de se contar no futuro, sempre que alguém pretender abordar o papel cultural desenvolvido por aquele médico da Régua em prol da região do Douro. Espera-se, obviamente, que este seja apenas o primeiro de outros estudos por parte do autor cujo empenho e dedicação à cultura das gentes do Douro e, consequentemente, à cultura portuguesa, tão bem expressos estão nesta sua obra.

Fernando Alberto Torres Moreira