João de Araújo Correia nasceu no dia 1 de Janeiro de 1899, na Casa da Fonte, em Canelas do Douro, concelho do Peso da Régua. Era filho de António da Silva Correia e de Maria Emília de Araújo. Teria três anos quando foi viver com os pais para a Régua. Foi aí que João de Araújo Correia aprendeu as primeiras letras, frequentou a instrução primária e depois Francês e Inglês. No liceu de Vila Real, em 1912 – com treze anos – fez exame destas disciplinas. Concluída a fase da escolaridade, foi aluno interno da Escola Académica do Porto onde terminou, ao fim de três anos, o curso dos liceus e aos dezasseis anos frequentava os preparatórios médicos na Universidade do Porto. Aluno da Faculdade de Medicina, teve de interromper os estudos por ter sido acometido de “extrema fraqueza”. Regressou a Canelas onde passou seis anos da doença. Como ele declara: “Não foram anos perdidos, porque li, meditei, observei a natureza e comecei a escrever. Obedeci ao que reputo vocação literária.” (apud Malpique 1964b: 192). Na convalescença, publicou prosa e poesia em jornais da província e no antigo jornal O Mundo, de Lisboa. Em 1922 casou com Maria da Luz de Matos Silva, natural de Poiares, aldeia próxima de Canelas. Para custear os estudos que, entretanto, retomara, foi professor particular do ensino secundário. Em 19 de Outubro de 1927 – já com vinte e oito anos –, concluiu a formatura em medicina, e sentia-se “homem de razoável cultura e muita reflexão” (Correia 1999b: 15). Nasceram, entretanto, os cinco filhos do casal. Terminado o curso veio exercer clínica para a Régua onde foi um João Semana. A inspiração literária foi colhida no exercício da profissão de médico rural. Ele próprio o declarou, em entrevista, a Cruz Malpique:

A profissão de João Semana é acidental na minha vida de escritor. Sapateiro que eu fosse, obedeceria à minha vocação, que é escrever. Todavia, o bom João Semana, imagem que me acompanha na peregrinação clínica, auxilia-me a escrita. Fornece-me temas e, o que mais é, a observação da vida (Malpique 1964b: 197-198).

A criação literária acompanhou a sua actividade médica ou, nas suas exactas palavras: “Quanto a labor literário, conciliei-o com o exercício clínico.” (Malpique 1964b: 194). A sua escrita guindou-o a patamares elevados de contista e de cronista. A propósito, convoquemos o testemunho do confrade Domingos Monteiro: “Em Peso da Régua, João de Araújo Correia, um dos nossos maiores contistas e porventura o mais expressivo cronista da região do Douro” (Monteiro 1999: 104).

Em obediência à vocação literária, o escritor publicou contos, crónicas, ensaios, estudos, conferências e discursos. O opúsculo Linguagem Médica Popular Usada no Alto Douro – a primeira publicação – foi editado em 1936. Na vida literária propriamente dita, foram decisivos os anos de 1938 e 1939. Naquele, deu lume a Sem Método, o primeiro livro de crónicas e notas sertanejas; neste, Contos Bárbaros, o primeiro livro de contos. A partir daqui desenvolveu intensa actividade literária, especialmente nos domínios do conto e da crónica.

No conto, além dos Contos Bárbaros, assinalam-se Contos Durienses (1941); Terra Ingrata (1946); Cinza do Lar (1951); Caminhos de Consortes (1954); Folhas de Xisto (1959); Montes Pintados (1964); Rio Morto (1973); Tempo Revolvido (1974) e Outro Mundo (1980) que agrupam contos concisos, flagrantes da vida duriense e tipos humanos a moverem-se no meio de dramas e comédias. Segundo o ensaísta e crítico literário João Bigotte Chorão:

Os contos de João de Araújo Correia, em geral breves e sempre de prosa enxuta, mergulham as suas raízes mais em terreno rural que urbano. O Marão e o Douro, ou por outras palavras, o «país camiliano» (o Norte) e o «país vinhateiro» (o do vinho fino) são o palco adusto e pedregoso de vidas de sofrimento e miséria (Correia 1999b: 10).

Na crónica, além de Sem Método, deixou as colectâneas Três Meses de Inferno (1947); Cartas da Montanha (1955); Manta de Farrapos (1962); Passos Perdidos (1967); Horas Mortas (1968); Ecos do País (1969); Pó Levantado (1974); Nuvens Singulares (1975); Pontos Finais (1975) e Pátria Pequena (1977). Trata-se de crónicas do cidadão/escritor, de lúcida e intensa participação cívica, com apurado sentido crítico, que chega a ser cáustico, animadas de propósitos moralistas, pedagógicos e pragmáticos.

Escreveu também a novela Casa Paterna dada à estampa em 1951; publicou as conferências Ricardo Jorge, o Portuense (1951); O Elemento Água na Sabedoria Popular (1957)[1]; Há Sal na Régua (1958); Perfil Trasmontano[2] de Trindade Coelho (1961); Depoimento de João Semana Sobre a Vida Clínica da Aldeia (1968); Camilo à Beira do Lima (1973) e o discurso Nova Freguesia (1976).

Editou as separatas: Água do Tedo (Notas clínicas) (1948); História Clínica da Água do Tedo (1954); O Vale do Tedo e a Água Minero-Medicinal do Tedo (1954)[3]; Bosquejo Hidrológico do Concelho do Peso da Régua (1957)[4]. À publicação destes ensaios não é alheia a sua especialidade de clínico hidrologista.

O escritor lutou, de forma intransigente, pela correcção da língua portuguesa, falada e escrita, defendendo a aproximação de uma a outra[5].

Sobre os males da língua escreveu Por Amor da Nossa Fala (Notas sobre Pronúncia) (1952); Por Amor da Verdade – Auto de Desagravo – (1952) e coligiu diversas crónicas no livro Enfermaria do Idioma (1971), a que ainda voltaremos. Postumamente, editou-se o volume Dispensário Linguístico (1999) onde se reúnem fragmentos que ensinam a falar e a escrever o português, publicados, ininterruptamente, durante cerca de oito anos, no citado semanário O ArraisLinguagem da minha terra. Analogias com o Castelhano e o Galego (1986) é uma separata editada pelo jornal “O Médico” do Porto, a que daremos mais atenção.

Publicou também Palavras Fora da Boca – Miscelânea Oratória – (1972) que inclui conferências, discursos, diálogos (entrevistas) e respostas a inquéritos.

A predilecção por Camilo Castelo Branco mostrou-a nas prosas que escreveu sobre o “Torturado de Seide”, tendo organizado e publicado uma colectânea de crónicas com o título Uma Sombra Picada das Bexigas (1973).

O seu único livro de poemas é Lira Familiar (1976).

Devemos, por fim, referenciar a faceta do epistológrafo. João de Araújo Correia escreveu milhares de cartas que integram hoje o seu espólio. E sabemo-lo porque ficava com cópias das que enviava. Quem recebeu cartas do “Mestre de Nós Todos”, como é o caso de Bigotte Chorão, supra referido, pode explicar-nos o modo como as escrevia:

A correspondência de João de Araújo Correia é cuidada, ainda que familiar, e natural, ainda que literária. Punha igual escrúpulo quando escrevia a um confrade ilustre ou a pessoa de pouca nomeada. Não, não queria ser apanhado em mangas de camisa ou de colarinho amarrotado. Tinha respeito por si e pelos outros (Chorão 2009: 33).

Na crónica “Cartas e Postais” o nosso cronista lamenta que a epistolografia, como arte, vá acabar: “Já foi ungida e sacramentada. Matou-a o rádio e a televisão, que passaram de noticiário útil (…) a maçadoria obrigatória (…)” (Correia in O Arrais de 6-5-1982: 1).

Apesar de João de Araújo Correia andar arredado dos palcos literários, tal não impediu que os contemporâneos reconhecessem o valor da sua obra. Daí que, em vida, lhe tenham sido prestadas inúmeras manifestações de apreço e diversas homenagens. Salientamos uma homenagem, a dia 2 de Abril de 1983, que incluiu o descerrar duma lápide nominativa no Balneário das Caldas do Moledo[6]; a inauguração dum museu, com o seu nome[7] no Edifício da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e a inauguração dum Banco-Memorial, com a sua efígie no miradoiro do Fial[8], onde se deslocava para contemplar a paisagem duriense.

A sessão solene da homenagem foi presidida pelo então Ministro da Cultura, Dr. Lucas Pires e ocorreu, de tarde, no Salão Nobre da Casa do Douro, na Régua[9]. João de Araújo Correia, que não esteve presente, por motivos de saúde, agradeceu n’ O Arrais de 5 de Maio de 1983, na crónica “Depois da Festa”.

Outra homenagem foi promovida pela Associação Cultural do Alto Douro e ocorreu em Canelas do Douro, a 6 de Novembro de 1983[10]. J. de Araújo Correia, que esteve ausente, registou: “a ela se associou meio mundo, constituído por autoridades, povo de Canelas, ranchos etnográficos e pessoas ligadas ao meu coração.” (Correia in O Arrais de 17-11-1983, 1). Na casa onde nasceu – a Casa da Fonte –, a mesma Associação colocou uma lápide assinalando a data do seu nascimento (Idem).

Lembremos mais três homenagens de grande envergadura, já destacadas por Andrea dos Santos:

(…) a sua obra foi merecidamente consagrada e o escritor justamente distinguido, em 1960, pela Sociedade Portuguesa de Escritores, numa sessão de homenagem na Casa da Imprensa; em 1971[11], com o Prémio nacional de Novelística, da Secretaria de Estado da Informação; e em 1985, com uma sessão dirigida pelo Presidente da Assembleia da República, Dr. Fernando Amaral, com a participação do Ministro da Educação, Dr. José Augusto Seabra (Santos 2003: 9).

João de Araújo Correia faleceu a 31 de Dezembro de 1985, na casa onde residia, na Rua de Maximiano Lemos, no Peso da Régua e foi sepultado no cemitério de Canelas do Douro.

[1] Na revista Clínica, Higiene e Hidrologia, Lisboa.

[2] João de Araújo Correia escrevia sempre “trasmontano” em vez de transmontano.

[3] Separata do Boletim da Casa Regional da Beira Douro, Porto.

[4] Separata da revista Clínica, Higiene e Hidrologia, Lisboa.

[5] Leia-se, a propósito, a crónica LXIV do Sem Método, 183-184.

[6] “ Balneário Termal do Dr. João de Araújo Correia” nas Caldas do Moledo, Fontelas, Peso da Régua.

[7] “Museu João de Araújo Correia”.

[8] Lugar da freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião.

[9] In: O Arrais de 7-4-1983 : 1 e 5.

[10] In: O Arrais de 10-11-1983, 1.

[11] Afigura-se-nos haver aqui um lapso. O Prémio Nacional de Novelística, que menciona, foi atribuído a João de Araújo Correia no ano de 1968.